Descobri hoje esta música. Fiquei curiosa quando li o título – Kintsugi. Este é um termo japonês que conheço há alguns anos, e ao qual regresso, ocasionalmente, nas minhas reflexões. Em 2019 tive a oportunidade de viajar até ao Japão, um sonho de muitos anos cumprido.
Este desejo de ir foi plantado pelo meu mergulho na cerâmica, mas também na costura, no remendo, no trabalho com Indigo Japonês. Também o fascínio por outros elementos culturais como o conceito de Wabi-sabi, de Ikigai, os rituais ancestrais, o design despojado e a estética subtil. Viver na Austrália aproximou-me do Japão, geográfica, cultural e emocionalmente.

Kintsugi é uma técnica de restauro de peças de cerâmica partidas, que consiste na aplicação de uma laca especial, que é depois coberta com pó de ouro, prata ou platina. A quebra não é falha, é celebrada. O acidente não condena a peça, é uma oportunidade de recomeço, de prolongar o seu uso, de evitar o desperdício. O sentimento japonês de Mottainai, que expressa o arrependimento quando algo é descartado, também explica as origens da técnica, que muitos historiadores acreditam ter originado no século XV.
O metal precioso e o trabalho de conserto dão ainda mais valor à peça, acrescentam à sua história. A singularidade do objecto em destaque.
No livro The Art of Repair de Molly Martin, encontrei outro sinal do sentimento de Mottanai no provérbio japonês ‘Se conseguires envolver três feijões num pedaço de pano, então este é grande o suficiente para guardar.’ Esta filosofia expressa-se de forma mais óbvia através de Boro, uma técnica que utiliza pequenos pedaços de tecido para reparar tecidos gastos, rasgados ou com buracos.

Originalmente (século XVII-XIX) era a classe trabalhadora que recorria a esta técnica, uma vida difícil impunha a necessidade de prolongar o uso das suas roupas o mais possível. Hierarquias sociais austeras reflectiam-se nas fibras e plantas tintureiras que podiam ser utilizadas. Linho e Cânhamo eram plantados, cultivados e colhidos. Depois as fibras fiadas e tecidas, e por fim os panos tingidos, na maioria das vezes, com Indigo Japonês – uma das plantas tintureiras mais acessíveis e económicas. Todo este laborioso processo também poderá explicar a ideia de que o descarte não era opção. Peças remendadas vezes sem conta, camadas de trabalho manual, de história, passavam de geração em geração como relíquias.

Se historicamente era visto como um sinal de pobreza, vestes carregadas por um sentimento de vergonha, Boro tornou-se uma forma de arte reconhecida pela sua história e significado, e uma importante parte da herança cultural japonesa.
Nos dias de hoje, muitos praticantes de remendo visível inspiram-se na arte de Boro e na técnica de bordado Sashiko (que tem as suas origens na mesma altura). Para além da arte, a filosofia por detrás dela, ainda que, actualmente, os motivos sejam outros. A importância de cuidarmos da nossa roupa e repensarmos a forma como consumimos, porque o descarte em massa, à velocidade que assistimos, é insustentável.

Um remendo visível é uma mensagem. Pode ser uma forma de arte, uma ideia, uma crença. Um remendo abarca o tempo e a intenção do seu autor e acrescenta valor à peça, estético e ético. Como no Kintsugi, uma nova oportunidade.
Nesta letra de Elizabeth Woolridge Grant, que melhor conhecemos como Lana del Rey, a analogia chega-nos num encontro de família junto do leito de morte de um tio avô, e da dor sentida. Quantas vezes não quebramos, pelo simples facto de amarmos?
(…) But I can’t say I’d run when things get hard
It’s just that I don’t trust myself with my heart
But I’ve had to let it break a little more
‘Cause they say that’s what it’s for (…)
Já no início da letra, Elizabeth faz referência à irreversibilidade de certos acontecimentos (como a morte) que mudam tudo para sempre:
(…) There’s a certain point the body can’t come back from
In one year, we’ve learned the turn of the mouth
The depth that the chest cavity takes (…)
E depois a certeza e a esperança de que é possível reerguer o espírito quebrado e regressar com um olhar mais claro sobre a beleza da vida. Celebrando a escuridão da queda, da ruptura, pois é por ela que a luz pode entrar:
(…) I was cracked open
Finally the ground was cold, they wouldn’t open
Brought by the sunlight of the spirit to pour into rain
There’s a name for it in Japanese, it’s kintsugi (…)
That’s how the light shines in (…)